Bons recursos e a excelente apresentação de Pedro Bial elevam o programa a um novo patamar, pelo menos tecnicamente.
Pedro Bial - Linha Direta (Reprodução / Internet) |
Embora o Linha Direta tenha estreado na TV em 1990, para a maioria das pessoas, a imagem que se associa ao programa é a de Marcelo Rezende, com sua voz dramática, descrevendo crimes de forma pausada e eloquente.
No entanto, vale ressaltar que Domingos Meirelles foi o apresentador que esteve à frente do programa por mais tempo.
As lembranças do Linha Direta são duras e sombrias, e é compreensível que muitos espectadores tenham sentido medo ao assistir a algum dos episódios.
A linguagem do Linha Direta era diretamente influenciada por seu objetivo primordial: capturar criminosos.
Por essa razão, precisava dialogar com o público popular, de forma direta e simples.
Os roteiros eram expositivos, e as encenações, embora carentes de inventividade, tinham o propósito de despertar a empatia do espectador.
Era por meio delas que as testemunhas eram encorajadas a fazer denúncias.
Embora essas encenações empobreciam um pouco o produto final, sua função era inquestionável.
Em 2007, quando o programa saiu do ar, já havia ajudado a capturar mais de 400 criminosos.
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro concedeu à TV Globo uma medalha de honra pelos serviços prestados às autoridades.
O programa funcionava, era um sucesso de audiência e mantinha uma base fiel de espectadores que mantinham a estrutura girando.
No entanto, ao longo do tempo, surgiu uma discrepância entre sua forma e os objetivos da emissora, que estava passando por um processo de reestruturação de sua programação.
As noites após a novela das 21h eram dedicadas a séries nacionais e reality shows, enquanto o Linha Direta se destacava como uma exceção.
Chegando aos dias atuais, o gênero "True Crime" passa por um novo momento, uma nova forma e uma nova estrutura.
Agora, ele assume suas próprias características e nomenclatura.
Estamos falando de um nicho de streaming, que, principalmente por meio de séries documentais, estabeleceu uma linguagem vigente que se reproduz progressivamente.
Vivemos em uma era em que os documentários sobre crimes famosos apresentam depoimentos, animações e registros imagéticos de todos os tipos.
As reconstituições são ilustrativas, sem diálogos e geralmente estilizadas.
O Linha Direta não poderia voltar do mesmo jeito que era, isso está claro.
Linha Indireta: Uma Nova Abordagem
A primeira decisão estética foi colocar Pedro Bial como apresentador. Pedro é praticamente o oposto de Marcelo Rezende.
Sua voz está associada a discursos poéticos para eliminar participantes de reality shows e a um tom afável de intelectualidade.
É quase como se o Jô Soares estivesse apresentando o programa.
Bial foi uma escolha calculada para trazer ao retorno uma nova credibilidade, muito mais alinhada à forma contemporânea de relatar eventos criminais.
Juntamente com Pedro, vieram os recursos.
No primeiro episódio da temporada, foi criada uma réplica de partes estruturais do Caso Eloá, ocorrido em 2008, no estúdio do programa: a planta da casa e a icônica janela pela qual ela aparecia.
Tudo foi apresentado com muita elegância e respeito. No entanto, as pessoas diretamente envolvidas na história se recusaram a participar, enfraquecendo alguns aspectos da narrativa e tornando a escolha desse caso para a estreia um tanto ambígua.
Bial conseguiu entrevistar o negociador, especialistas e técnicos, mas a história de Eloá foi contada apenas pelo ponto de vista de um dos sobreviventes libertados no início do sequestro e de uma vizinha da família.
Isso criou uma situação estranha, já que geralmente é nos programas policiais vespertinos que vemos vizinhos, "amigos da família" e "conhecidos da região" dando declarações exaustivas sobre o pouco que sabem dos acontecimentos.
Pedro Bial - Linha Direta (Reprodução / Internet) |
Todo o cuidado técnico que envolveu o programa poderia ter sido melhor direcionado para a construção de um ponto de vista mais incisivo.
Sabemos que a questão do tempo de tela é relevante aqui; o programa entra no ar depois das 23h30 e não pode durar mais de 40 minutos, segundo a visão de seus idealizadores.
Isso acarreta em algumas consequências na adaptação de seus objetivos para os dias atuais.
No caso de Eloá, apresentado na estreia, duas vertentes importantes eram exploradas, sendo o feminicídio o tema principal.
É evidente que, por se tratar de uma peça jornalística com um jornalista como apresentador, o roteiro acabou se concentrando mais na ética da imprensa - ou na falta dela, na verdade.
No penúltimo bloco, houve uma abordagem interessante desse tópico, porém ainda carente de certa profundidade.
A intromissão da apresentadora Sônia Abrão no trabalho da polícia foi apresentada como um exemplo de quão negligente a imprensa foi em relação à vida de Eloá.
No entanto, provavelmente por questões jurídicas, o episódio envolvendo a apresentadora foi reduzido a uma mera declaração, sem nomes e imagens.
No último bloco do programa, nos seus 5 minutos finais, foi apresentado um caso sem resolução.
A organização disso foi, no mínimo, questionável. Passamos 40 minutos acompanhando um caso solucionado e apenas 5 minutos com um caso em aberto, que não recebeu destaque, narrativa ou qualquer tipo de catarse.
É compreensível que o programa vá alternar entre casos famosos e casos sem conclusão, mas é problemático esperar até os 5 minutos finais, já depois da meia-noite, para cumprir a expectativa primordial do programa: ajudar na busca pelos culpados.
A situação se torna ainda mais preocupante quando o roteiro também deixa para esses minutos finais a importante discussão sobre o assassinato deliberado de mulheres em nosso país.
Ficou a sensação de que, em busca dessa sofisticação, o caso considerado anônimo foi relegado aos minutos finais, a fim de não comprometer a proposta de um "true crime clean".
Se essa foi uma decisão tomada exclusivamente para a estreia, o equívoco persiste. A família da menina morta, cujo rosto foi exibido naquele último bloco, merecia mais atenção.
A nossa estranha fascinação por investigações criminais está vivendo seu momento de maior ascensão. No entanto, ao contrário de todas as outras produções do gênero, o Linha Direta tem - ou pelo menos tinha - preocupações maiores.
Nessa encruzilhada entre a curiosidade pelo crime notório e a responsabilidade, a balança não pode pender apenas para o espetáculo puro e simples, pois correríamos o risco de cometer uma nova injustiça com as vítimas.
Testemunhas não serão convencidas por artifícios narrativos. O nome do programa não é Linha Indireta.
É importante que o Linha Direta encontre seu espaço nessa nova era do gênero True Crime, onde séries documentais e streaming dominam a cena.
A reinvenção é necessária para acompanhar as demandas do público contemporâneo.
Ao aliar recursos técnicos de alta qualidade e a presença carismática de Pedro Bial, o programa já deu um passo importante para se destacar nesse cenário.
No entanto, é fundamental que haja um cuidado na escolha dos casos, no aprofundamento das narrativas e na apresentação de pontos de vista mais incisivos.
O público atual busca não apenas entretenimento, mas também reflexão e compreensão dos aspectos sociais, éticos e jurídicos dos crimes.
O Linha Direta tem o potencial de ser uma referência nesse sentido, desde que consiga equilibrar a sofisticação estética com a responsabilidade jornalística.
Em resumo, o retorno do Linha Direta à televisão trouxe consigo uma nova roupagem, com recursos técnicos aprimorados e a presença marcante de Pedro Bial como apresentador.
Porém, é necessário que o programa encontre um equilíbrio entre a sofisticação estética e a abordagem incisiva dos casos, a fim de não perder sua relevância e se destacar nesse momento em que o gênero "True Crime" está em alta.
A responsabilidade jornalística e a busca pela verdade devem caminhar lado a lado com o entretenimento, proporcionando ao público uma experiência enriquecedora e informativa.
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